Pensamento Sistêmico na Era Digital: Da Teoria à Prática
Falar sobre pensamento sistêmico é muito mais fácil que colocar ele em prática.
Pensar de forma sistêmica significa entender que uma organização, um ecossistema ou outra estrutura complexa não é só a junção de suas partes. Cada pedaço de um sistema é importante por si só. Porém, a magia está em ver como essas partes trabalham juntas e se relacionam. O comportamento de um sistema pode ser surpreendentemente diferente do que apenas somar as características de cada parte.
A análise das conexões entre os componentes de um sistema é, portanto, fundamental. Ao enxergar as conexões, entendemos melhor suas funções e identificamos as ligações importantes para seu bom funcionamento. Isso nos capacita a entender o grau de acoplamento entre componentes, permitindo intervenções mais cirúrgicas.
Porém, como colocado no início. Falar sobre pensamento sistêmico é muito mais fácil que colocar ele em prática. Vamos trazer o exemplo da manufatura. Existe a ideia que prevenir erros é sempre muito melhor que corrigi-los. Faz sentido em ambientes onde a mudança é difícil. Fazer recall de toda uma linha de produtos é caríssimo, e quando Deming trouxe a ideia de qualidade total para o mundo, revolucionou a indústria no século passado.
Porém, quando estamos falando de software e produtos digitais, isso não é necessariamente verdade. Fazemos escolhas racionais todos os dias. Equilibramos os custos de correção e prevenção, avaliando os prós e contras. Focar na prevenção pode levar a comportamentos imprevisíveis e reduzir a capacidade da organização de se adaptar.
É por isso que as big techs se destacaram com o conceito de Beta. Vale a pena eu tentar achar todos os bugs de um sistema e não lançar ou lançar rápido e corrigir ainda mais rápido? Não existe uma resposta certa, mas se você trabalha com inovação e não vai colocar a vida ou as finanças de ninguém em sério risco, a resposta parece óbvia.
Seguir cegamente a ideia de que prevenir é sempre melhor pode levar a decisões erradas. É fundamental avaliar cada situação, considerando todos os aspectos, e não se deixar levar por filosofias simplistas.
Otimização local, subotimização global
Na ânsia de melhorar e otimizar, é comum o foco ser direcionado para partes individuais ou variáveis isoladas. Essa abordagem fragmentada pode, ironicamente, levar a ineficiências maiores. Otimizar uma parte do sistema, sem considerar suas implicações em outras áreas, pode criar gargalos ou distorções.
Tomemos, por exemplo, uma plataforma de e-commerce: ao tentar melhorar a experiência do cliente e fazer anúncios para que os usuários comprem mais, a empresa pode enfrentar um problema se não tiver a capacidade logística para atender a esse aumento de demanda.
Assim, em vez de só incentivar os clientes a comprarem mais, seria mais interessante pensar em como otimizar o fluxo de compra e entrega como um todo, garantindo que não haja sobrecarga em nenhuma etapa e comprometendo a satisfação do cliente e a eficiência do sistema.
Sim, é importante evitar a otimização local excessiva, mas isso não significa que devemos ignorar a melhoria das partes individuais. Todas as melhorias vêm de mudanças nas partes, e é essencial encontrar um equilíbrio entre a otimização local e global. Ao fazer isso, podemos direcionar o sistema para que funcione de maneira eficiente e sustentável, sem comprometer seus componentes individuais.
A previsibilidade
Uma alteração em um único componente pode desencadear uma série de consequências não intencionais em outros lugares. É como tentar desviar o curso de um rio movendo só uma pedra; as correntes fluem em direções que muitas vezes não conseguimos prever.
Um grande mito na gestão, que nos acompanha por muito tempo, é a premissa de que a total previsibilidade é necessária ou mesmo possível. Em sistemas complexos, como aqueles encontrados na natureza, na sociedade ou nas organizações, a previsibilidade total é uma ilusão.
Muitos sistemas são imprevisíveis devido às inúmeras variáveis e conexões. Mas isso não os torna impossíveis de serem gerenciados. Com o processo correto e entendendo seus componentes-chave, podemos ter um maior controle até dos sistemas mais complexos.
Em vez de buscar só prever o futuro, a abordagem mais sistêmica aconselha os gestores a terem mais foco em propriedades emergentes e padrões gerais. Essa orientação permite uma adaptação flexível às mudanças e incertezas.
“A estratégia permite, a partir de uma decisão inicial, imaginar um certo número de cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações que nos cheguem no curso da ação e segundo os elementos aleatórios que sobrevirão e perturbarão a ação.”
Edgar Morin
É claro que a previsibilidade muda com a escala. Em escalas pequenas, pode haver muito ruído e volatilidade, tornando eventos específicos difíceis de prever. No entanto, em escalas maiores, certos padrões e tendências podem se tornar mais visíveis. Contudo, há sempre um grau de imprevisibilidade, especialmente com eventos de cauda longa ou “cisnes negros”, que são raros e altamente impactantes.
O contrário também pode acontecer. O que parece grande e complexo pode ser mais fácil de gerir quando dividido em partes menores que levam o sistema para o complicado, tornando assim os fenômenos mais fáceis de prever.
O segredo é ter uma abordagem flexível, entender a complexidade dos sistemas e se adaptar. Em vez de previsibilidade absoluta, queremos uma gestão mais moderna que possa sentir e responder dinamicamente às variações do mercado.
Descentralização
A descentralização, dentro desse contexto, surge como uma poderosa estratégia de gestão. Em um mundo hiperconectado, a informação flui rapidamente e a partir de múltiplas fontes.
A centralização pode parecer atrativa por prometer controle e previsibilidade, o que sabemos que não é bem verdade. Uma preocupação com o controle centralizado é a possível perda de conhecimento local e uma resposta mais lenta ao mercado. Centralização é mais barata, é verdade, mas leva a decisões erradas.
O que queremos é um princípio centralizado nos guiando. Visão, missão, impactos, resultados. Mas as decisões individuais são feitas nos níveis locais. Ao valorizar o conhecimento local e permitir que decisões sejam tomadas mais perto da fonte da ação, organizações e sistemas podem responder com mais rapidez.
Esse modelo une os pontos fortes dos sistemas centralizados e descentralizados. Promove unidade de cima para baixo, enquanto aproveita a agilidade e adaptabilidade no nível local.
Ao pensar em estruturas de controle, é essencial colocar na balança os benefícios dos dois modelos. O objetivo é equilibrar, combinando diretrizes centralizadas para decisões importantes e de alto risco, com execução descentralizada, adaptando a estratégia e mantendo alinhamento.
Conclusão
O pensamento sistêmico não é apenas uma técnica, mas uma abordagem de pensamento que ajuda a fazer sentido e interagir com a complexidade. Ao reconhecer as interdependências e adotar uma visão holística, somos mais bem equipados para navegar nos desafios do mundo contemporâneo, buscando soluções que não apenas resolvem problemas imediatos, mas também fortaleçam e beneficiam o sistema como um todo.