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Combatendo o sexismo por meio de retrospectiva

Muitas vezes, numa empresa grande em que a cultura de confiança não é ainda tão madura, casos de sexismo são frequentes e silenciados por falta de segurança de quem é atingido por esse tipo de comportamento.

Por sexismo entendemos:

“Atitude de discriminação fundamentada no sexo ou gênero.”

Infelizmente, ainda em 2016, são inúmeros os casos de discriminação nas empresas de todos os tipos de cultura e é nosso dever como gestoras/es e colegas de trabalho atuar para para que essas situações sejam devidamente tratadas e, por consequência, diminuídas.

Idealmente os indivíduos que sofrem esses tipos de agressões devem ter uma área segura para que esses casos sejam relatados. Em geral, espera-se que essa área seja o RH mas, por vezes, as/os profissionais dessas área são também as/os afetados, principalmente as mulheres. Por que não tratar isso então diretamente com os times?

Alguns dados sobre a presença e atuação de mulheres na TI:

Minha proposta é compartilhar com vocês uma dinâmica que pensei ser útil para ser trabalhada em times de cultura ágil durante a cerimônia que chamamos de retrospectiva tratando, mais especificamente, o machismo. Gostaria também de deixar claro que essa é uma sugestão, pois não tive ainda a oportunidade de colocá-la em prática já que na Taller trabalhamos fortemente a cultura do feedback e da confiança, assim em casos de piadinhas sexistas, por exemplo, o feedback é dado no modelo one-on-one. Mas, ainda assim, qualquer hora vou rodar essa atividade por aqui, pois não estamos imunes deste tipo de atitude que é, por vezes, cultural. 

E como funciona?

O time misto deve ser reunido num lugar tranquilo e com um timebox definido de 2 horas. Uma atividade de energização é uma boa para quebrar um possível clima tenso. Aqui na Taller, usualmente, inicio a cerimônia com uma série de agradecimentos que podem ser livres ou no modelo “agradeça sua/seu colega da direita por algo legal que ela/ele tenha feito nos últimos dias”.

Logo após, uma folha com as seguintes perguntas devem ser entregues a todos os integrantes de um time misto, com opção de resposta de sim e não. Lembrando que as respostas serão anônimas e reforçando a importância da sinceridade tratando de um assunto tão sério.

  1. Você já presenciou ou leu piadas de cunho sexual no ambiente da empresa ou em meios de comunicação como slack ou grupos no whatsapp e telegram?
  2. Você presencia expressões como “seu mulherzinha”, “deixa de ser viadinho”, “fala que nem homem” com frequência na empresa?
  3. Você já testemunhou mulheres realizando trabalhos de assistente como, por exemplo, ser a responsável em tomar notas numa reunião ou de ir buscar o cafezinho?
  4. Você já testemunhou mulheres sendo interrompidas em suas falas ou atividades de mediação? (Manterrupting)
  5. Você acredita que as mulheres sofrem maior “patrulha” sobre suas vidas pessoais como, por exemplo, ficar até mais tarde num happy hour ou beber “além da conta”?
  6. Você já presenciou alguma mulher que expressou sua emoção e foi taxada de nervosa, ou agressiva, ou ainda tendo esse comportamento ligado à TPM? (Gaslighting)
  7. Você acredita que as mulheres são mais caprichosas?
  8. Você já presenciou a gravidez de uma mulher ser tratada por seus gestores e colegas como um problema a ser resolvido?
  9. Você acredita que mulheres com roupas mais elegantes transparecem um maior senso de liderança?
  10. Você acredita que mulheres são mais aptas a realizar atividades como mediação ou facilitação de feedback por serem mais compreensivas e sensíveis?
  11. Você já presenciou mulheres recebendo explicações detalhadas sobre coisas óbvias? (Mansplaining)
  12. Você já relatou ou soube de algum relato de assédio moral e/ou sexual na empresa?
  13. Você acredita que os homens devem ganhar mais por terem que sustentar a família?

Com o término das respostas, vá recebendo as folhas e separando-as em duas pilhas: uma dos homens e outra de mulheres. Mantenha as respostas viradas para baixo para garantir o sigilo.

Tire alguns minutos para fazer a contagem de respostas respectivas de homens e mulheres para cada pergunta numa planilha ou numa folha de flipchart, enquanto isso o pessoal pode comer, por exemplo. Gente sem fome é gente feliz 🙂

Compartilhe numa tela ou na parede as respostas e leia uma a uma. Perceba, na posição de facilitação, as expressões faciais e corporais nessa hora para voltar aos assuntos que parecem mais sensíveis num outro momento.

Numa outra folha de flipchart, separe três colunas e siga a seguinte ordem de conversa:

1) Boas práticas que devemos manter

Nesta coluna você vai agrupar e escrever nos post-its os comportamentos que parecem não ser um problema na empresa, por exemplo: “Todos concordam que a gravidez não é vista como um problema”

Elogie os colegas pela boa atuação nesses quesitos, e certifique-se de que todos estão de acordo com o que for listado aqui.

2) Práticas ruins que devemos abolir

Nesta coluna você irá agrupar post-its com os assuntos que foram mais discrepantes na opinião de homens e mulheres ou que sejam consenso entre os dois, por exemplo: “É comum em nossa empresa que emoções das mulheres sejam ligadas à TPM”

Essa é a parte mais importante da dinâmica, pois é quando os assuntos que são discordância entre as duas partes devem ser trabalhados. Esteja preparada/o para possíveis discussões e certifique-se de que todos estejam seguramente confortáveis para expor suas opiniões. Assegure-se também de que ações sejam pensadas para resolver essas questões. Vale ainda lembrar de deixar claro que essa reunião não serve para achar culpados ou apontar dedos, mas para resolver os problemas e prezar pelo bem estar de todos os presentes e de que a informação e dados concretos são a melhor alternativa.

3) Iremos nos comprometer a fazer

Nesta coluna você irá listar post-its com novos acordos sobre condutas ou práticas que serão conversadas durante a reunião.

Cada time chegará às suas próprias conclusões. Pessoalmente tenho algumas sugestões caso essa terceira etapa não seja tão fácil:

      • Marque uma talk com alguma colaboradora ou alguma profissional de fora para tratar sobre o assunto com o seu time. As colaboradoras podem também compartilhar situações de vida em que foram prejudicadas pelo machismo.
      • Forneça uma série de links úteis sobre o tema em algum canal de comunicação.
      • Forme um grupo com pessoas interessadas como um local seguro para que esses tipos de comportamentos sejam compartilhados sem julgamento.
      • Espalhe informativos pela empresa com frases de impacto sobre assédio.

Situações que devem ser consideradas

No caso da sua empresa não ter mulheres no time: quem sabe seja a hora de começar a falar sobre o assunto?

No caso de ter uma mulher apenas no time: converse com ela sobre a dinâmica e veja se ela se sente confortável e segura em tocar nos assuntos listados acima. Se não, reuna outras mulheres da empresa para conversar sobre sexismo antes de realizar uma retrospectiva. Algumas situações que explicam como o machismo mora nos detalhes são listadas neste post do Think Olga.

No caso de algumas partes se alterarem: lembre-se que a retrospectiva não serve para achar culpados, certo e errado, a favor ou contra, mas sim para tratar sobre novas formas de melhorar o ambiente de trabalho e a confiança das pessoas. Mantenha esse mindset durante todo o encontro. No caso de um homem se posicionar de forma autoritária sobre algo que viole os direitos da mulher, como a licença maternidade por exemplo, trate esse caso de forma isolada e em outro momento. Se a empresa não se posicionar sobre esse comportamento é bom também deixar isso claro, pois dá a possibilidade da mulher escolher se deseja continuar num espaço como esse ou não.

Você ainda acha que falar sobre machismo e sexismo é algo desnecessário?

Em algumas horas, numa simples pergunta no Facebook, recebi alguns depoimentos que reproduzo aqui, de forma anônima, pois o medo da repressão ainda está presente no cotidiano feminino.

“Assédio via Facebook do funcionário de uma outra empresa em que eu trabalhei. O cara ficava perguntando por inbox coisas desconfortáveis, como “nossa, os caras devem dar muito em cima de você”. Depois, descobri que não era só comigo. Fiquei com medo de falar para o RH e, ao invés de ser sigilo, espalhar pra empresa e eu ainda sair mal na história como vilã do pobre coitado.”

 

“Eu montei toda a ideia para estruturar o time de design da empresa (éramos 3, só eu de mulher e a mais velha de empresa na função), algumas ideias já tinham sido apresentadas ao CEO da empresa, que parece que nem ouvia, e depois um dos membros do time que era brotherzão do CEO pegou as mesmas ideias, mandou por e-mail com cópia até pra mim e foi super elogiado.”

 

“Na faculdade, de ciência da computação, falaram que eu passava direto porque era menina e os professores homens faziam vista grossa.”

 

“Um cliente não respeitava minhas opiniões técnicas. Quando um homem repetia o mesmo parecer, ele aceitava.”

 

“Um dia, chamaram todas as mulheres da empresa para uma reunião para falar do modo de vestimenta (!). Pediram pra maneirar nas roupas porque tinha muito shorts curto, saia curta, decote etc e estava “atiçando” os olhares dos homens que trabalhavam e dos clientes que algumas vezes visitavam a empresa.”

 

“Numa das vezes que peguei o plantão, eu fiz uma atividade de madrugada com um cliente e o rapaz não conseguia acreditar que meu relatório tava certo. Ele simplesmente achava que eu não era capaz. E quando eu fico nervosa eu não me comunico muito bem heheh dai eu tava puta e cansada de insistir e o único jeito que eles acreditaram em mim foi colocando um cara que trabalhava comigo na linha pra dizer a mesma coisa que eu tava dizendo.”

 

“Fui primeira menina na infra de uma empresa de engenharia civil, um clássico era ser confundida com secretária dos homens do setor. Era comum escutar que era bom eu estar ali para deixar a sala mais cheirosa ou bonita (me chamavam de flor por causa disso). Quando era necessário levar um pc de uma sala pra outra, sempre aparecia um pra carregar (gente, quantos quilos uma CPU pesa mesmo?)”.

 

“Há uns anos trabalhei numa empresa que tinha uma moça super competente que fazia a manutenção do sistema operacional da empresa. O gerente do setor não sabia disso e num belo dia deu PT geral no sistema e a moça foi chamada. Nunca mais vou esquecer do comentário do gerente quando ela chegou para consertar”não querida pode voltar, preciso de um cara pra consertar isso aqui, já chega a mulherada que só sabe usar rede social e encher os pcs de vírus, eu preciso de alguém que entenda do negócio”. A menina ficou roxa de raiva! Ela, muito educada, ainda explicou que quem cuidava daquela conta era ela e que só ela sabia aonde estava o problema. Não muito satisfeito o gerente teve que falar com o gerente da moça pra confirmar a situação! Foi um caso de discriminação que jamais vou esquecer!”

“Quando eu assumi como líder de equipe um dos caras procurou o ex líder dele (homem) e disse que preferia não ser liderado por mim. Quando perguntou pra ele por que ele disse que não saberia como conversar comigo porque sou mulher(!!!!) Aí como falou que não daria e ele tinha que ser do meu time ele perguntou como que falava com mulher e o líder dele disse oras, da mesma maneira como você fala comigo e deveria falar com qualquer outra pessoa…com educação e respeito”

 

Tem alguma outra sugestão de dinâmica? Rodou essa retrô e quer me contar como foi? Eu adoraria conversar sobre esse assunto! Responda aqui nos comentários ou fale com a gente através das nossas mídias sociais 🙂

Links interessantes

Anitas  – grupo de mulheres engajadas no empoderamento feminino na área de tecnologia e empreendedorismo, baseado na troca de experiências e conhecimentos.

Chega de fiu-fiu – uma campanha contra o assédio sexual em espaços públicos.

Faça acontecer: Mulheres, trabalho e a vontade de liderar: Neste livro absolutamente inspirador, Sheryl Sandberg investiga as razões de o crescimento das mulheres na carreira estar há tantos anos estagnado, identificando a raiz do problema e oferecendo soluções práticas e sensatas para que elas atinjam todo o seu potencial.

Mulheres na Computação – Espaço para incentivar, discutir e difundir assuntos relacionados a tecnologia e empreendedorismo com um pequeno detalhe: sob a ótica de jovens mulheres.

Mulheres na Tecnologia – organização sem fins lucrativos que visa aumentar a participação feminina na área de Tecnologia da informação. São mulheres e homens de todo o Brasil discutindo e agindo em prol deste objetivo.