Uma ótima User Experience (Experiência do Usuário) é essencial para o sucesso de qualquer produto ou projeto, isto todos já sabemos. Mas como criar esta experiência ideal no contexto ágil, em que não há tempo para longas etapas de pesquisa e validação, e a fase de aprendizado acontece em paralelo ao desenvolvimento?
O livro Lean UX: aplicando princípios ágeis para otimizar a Experiência do Usuário, da autoria de Jeff Gothelf e Josh Seiden, busca colocar uma luz nesta questão.
Já no Prefácio, o autor aponta os problemas do trabalho feito em cascata, de maneira ininterrupta, e a contradição que isso tem com a cultura de inovação que as empresas de tecnologia buscam transparecer.
O trabalho em cascata gera uma série de problemas, principalmente no momento da “passagem de bastão” entre designers e desenvolvedores. Além de aumentar claramente os prazos e custos, há o risco de uma enorme parte dos entregáveis gerados pelo design não serem aproveitados para o desenvolvimento.
Como o designer trabalhou “isolado”, com baixa colaboração e comunicação com a equipe de desenvolvedores, seu foco não foi gerar outputs fundamentais para os devs, que são justamente quem vai colocar tudo pra rodar. Ao contrário, sua preocupação foi a geração dos melhores e mais refinados entregáveis, com grandes quantidades de documentação que serão pouco – ou nada – aproveitadas na hora de desenvolver o projeto.
E quando surgem os eventuais problemas, o que acontece? Os envolvidos vão empurrando a culpa de um para outro (designers, desenvolvedores, gestores…), esquecendo que o problema, na verdade, é sistêmico.
Um cenário que exige constante mudança e colaboração não é compatível com uma empresa compartimentada e linear.
O objetivo do livro é mostrar como o Lean Startup pode ser aplicado no contexto do UX Design, estimulando a colaboração e a entrega rápida para melhorar a qualidade dos produtos e projetos.
Neste primeiro post da Série Lean UX, vamos abordar sobre:
- O que é Lean UX e quais os seus princípios
- Como elaborar uma hipótese para resolução de problemas
- Design como um trabalho colaborativo
O livro faz parte da série Lean, uma coletânea selecionada por Eric Ries, autor do famoso Lean Startup (Resumo em áudio).
Por que Lean Ux?
Os princípios Lean (Enxuto), aplicados ao design, causam 3 impactos:
- Diminuição de desperdício no processo de planejamento. Deixamos de fazer documentações abrangentes e desnecessárias para produzir poucos entregáveis, porém muito mais importantes (sob-demanda).
- Estimula a harmonia entre setores da empresa/projeto, trazendo não-designers para dentro do processo de criação.
- Mudança de mentalidade. Designers deixam de atuar como seres “divinos” e passam a trabalhar com experimentações.
É um método que nasce da mistura do Design Thinking com o Desenvolvimento Ágil, unidos ao conhecimento da Lean Startup.
No começo da década de 80 e 90 os designers encaravam a web da mesma maneira como encaravam a mídia impressa – um processo linear e muito planejado para evitar os altos custos de produção.
Com o Lean UX a conversa deixa de ser sobre design (funcionalidades e documentação) e passa a ser sobre objetivos de negócio.
O autor estimula que criemos coragem para superar o medo inicial de mostrar trabalhos incompletos e feios, uma vez que a colaboração do grupo nos estágios iniciais do projeto é parte inerente do processo Lean.
Os Princípios do Lean UX
Botar em prática o Lean UX é trazer à tona a verdadeira natureza do produto da maneira mais rápida possível, de modo colaborativo e multifuncional. Tem por base os seguintes princípios:
- Times multifuncionais, focados na resolução de problemas.
- Ações pequenas, dedicadas e colocadas.
- O progresso é medido pelos resultados, e não pelos entregáveis.
- Remoção de desperdícios.
- Descoberta contínua.
- GOOB: Get Out Of the Building – Saia do prédio!
- Divisão aberta de conhecimento.
- Mentalidade colaborativa (anti-estrelismo).
- Externalizar o seu trabalho o quanto antes.
- Fazer é melhor do que analisar.
- Aprender é melhor do que crescer.
- Permissão para falhar (mentalidade experimental).
Segundo o livro, o dia-a-dia de um time de Lean Ux mostra um time colaborativo, iterativo, com poucas transferências de tarefa, entregáveis pequenos, e foco em ter o produto rodando com coleta constante de feedback do mercado.
Resultados desejados e Hipóteses
“Nossa meta não é criar um entregável, é mudar algo no mundo – criar resultados. Começamos com suposições, ao invés de requisitos. Criamos e testamos hipóteses. Medimos para saber se os resultados desejados foram atingidos.”
A formulação de uma Hipótese é a ferramenta que é ponto de início para qualquer projeto. Ela é uma maneira de expressar as suposições de maneira testável.
Uma hipótese é formada por 5 componentes:
- Suposição: uma declaração do que se acredita ser verdade.
- Hipótese: descrição mais detalhada da suposição, atingindo áreas específicas do produto passíveis de experimentação.
- Resultados: dados quantitativos e/ou qualitativos que validam ou invalidam a hipótese.
- Personas: modelos de pessoas para quem os problemas são resolvidos através do produto.
- Funcionalidades: melhorias ou mudança no produto, que levarão aos resultados desejados.
Depois de definidos estes 5 componentes, a Hipótese está pronta para ser redigida. O resultado é algo como:
“[ação] para [persona] vai gerar [resultados]”
Por exemplo:
“Incluir um menu mobile-friendly para os usuários logados vai gerar um aumento de 20% nas Páginas/Sessão nos próximos 30 dias”
Com base na Hipótese, o experimento em questão é criado. Ao final do período em que está rodando, os dados serão analisados para verificar se a Hipótese foi validada ou invalidada, quais os aprendizados, e quais os próximos passos e decisões que serão tomadas a respeito.
Proto-personas
A criação de Personas para representar seu público-alvo é uma prática conhecida pelos Designers. A Persona é uma parte fundamental na formulação de Hipóteses, e também no momento dos Experimentos.
Entretanto, a maneira tradicional de se fazer Personas envolve longos e custosos períodos de pesquisa. Com todo o trabalho desempenhado, a tendência que elas se tornem “intocáveis”, para justificar o serviço. Mas este não é o único jeito de fazer Personas.
Na abordagem Lean UX, a ordem é invertida. Primeiro as Proto-personas são construídas com base em suposições, e então é feita a pesquisa para validar ou invalidar estas suposições. Em uma abordagem colaborativa, um time pode criar uma série de Proto-personas em pouco tempo, gerando insumo para pesquisas rapidamente. O resultado é mais maleável e preciso, criando tanto valor quanto os métodos tradicionais, porém com muito mais agilidade.
Exercício para criar Proto-personas
1) Crie um quadrante para representar cada uma de suas Personas (veja o exemplo abaixo).
A dica é: não pense muito! Deixe a criatividade rolar, e depois você terá tempo para rever seu trabalho com calma.
2) No canto superior esquerdo do quadrante você irá escrever informações básicas como:
– Nome da Persona
– Emprego ou ocupação profissional
– Idade
– Um rabisco rápido de como esta Persona se parece
3) No canto superior direito do quadrante você irá escrever informações demográficas e comportamentais básicas. Procure usar informações que dão dicas sobre possíveis comportamentos da Persona –
4) No canto inferior esquerdo do quadrante você irá escrever as frustrações e necessidades desta Persona.
5) No canto inferior direito você irá escrever como você ajuda a resolver as frustrações da Persona.
E pronto! Você já tem Proto-personas prontas para serem validadas! Com 2 ou 3 Proto-personas você já consegue definir ações como:
- Que meios de divulgação usar para atingir esta Proto-persona.
- Quais suas frustrações mais comuns e o que posso fazer para ajudar a resolver.
- Quais hipóteses são prioridade para esta Proto-persona, e devem ser validadas primeiro?
Design Colaborativo
Trabalhar em equipe é uma maneira de distribuir o conhecimento sobre o projeto entre as pessoas, não só do time de criação, mas da empresa toda. Antecipar críticas e feedbacks é fator fundamental para evitar retrabalhos e frustrações com grandes entregáveis.
Uma boa prática são os esboços de baixa fidelidade, para que o grupo possa descobrir falhas e inconsistências o quanto antes.
Conversa: uma poderosa ferramenta
O Lean UX promove a conversa contínua entre colegas de projeto. A capacidade de dividir desafios, buscar opiniões e consultar desenvolvedores sobre viabilidade dos esboços.
A conversa entre os envolvidos estimula transparência e confiança, requisitos essenciais para a produção de trabalho de alta qualidade.
Práticas para criação colaborativa
Umas das técnicas apresentadas no livro é o Design Studio, dinâmica onde um pequeno grupo de pessoas (de 5 a 10) se reúnem para definir:
- O problema e as restrições;
- Geração de ideias (divergência);
- Apresentação e crítica;
- Seleção e refinamento;
- Solução coletiva.
Também foi sugerido o uso de styleguides (guia de estilos) como um apoio para a prototipação da solução coletiva. Mas para esse assunto recomendo ler o Atomic Design, do Brad Frost. Lá é explicado com muito mais detalhe essa abordagem modular.
A decisão de usar um guia de estilos dá autonomia para o time de desenvolvedores entregarem novas funcionalidades de um software, sem precisarem para isso esperar que os designers tomem todas as decisões previamente.
O desafio desta etapa é a transformação do processo de abertura do design – torná-lo open source, uma prática ainda complicada para quem está acostumado a criar num contexto de isolamento.
Neste post você aprendeu os princípios da Lean UX, e quais são os alicerces básicos para a aplicação deste método no contexto do Desenvolvimento Ágil.
No próximo post, vamos abordar os MVPs e Experimentos, como aplicar Pesquisas e Feedbacks, Integrando Lean UX e Agile, e como promover mudanças organizacionais que permitam a empresa abraçar o Lean Ux. Acompanhe!
Post colaborativo entre Rodrigo Roncaglio e Ítalo Mendonça.