A ligação entre design e storytelling é um aspecto crucial na criação da experiência do usuário. Este artigo explora como esses conceitos se entrelaçam e como eles podem ser aplicados para melhorar a percepção e a retenção dos usuários.
Arcos Narrativos
Kurt Vonnegut, consagrado escritor e humorista, quando estudante de Antropologia na Universidade de Chicago, notou que todas as histórias que importam poderiam ser definidas por uma linha que varia entre a extrema felicidade e a profunda tristeza. Isso ilustra a jornada emocional que todo personagem (e por extensão, todo usuário) atravessa.
Na época, a universidade achou a tese muito simplista e não foi aceita, mas ele não desistiu dessa ideia e continuou estudando esses arcos. Kurt é um cara muito engraçado e aqui tem um vídeo dele explicando um pouco essa ideia.
O papel do designer, nessa viagem, vai além da estética e se estende à criação de experiências significativas para os usuários. Ao criar arcos narrativos para produtos, os designers têm a oportunidade de cativar os usuários, criar conexões emocionais e proporcionar experiências memoráveis.
Isso não apenas melhora a usabilidade, mas também torna o produto mais atraente e envolvente para o público.
O Papel do Designer de Experiência
A narrativa desempenha um papel importante na criação de memórias nos usuários, como mostra um artigo do Fabricio Teixeira explorando um pouco mais o assunto na UX Collective. Quando os elementos de design são integrados a uma narrativa coesa, eles se tornam mais significativos para os usuários e ajudam a contar a história da marca ou do produto.
A regra Peak-End, ou “Pico e Término” em português, é um princípio fundamental no design de experiência que se origina de um viés cognitivo interessante. Essa ideia foi pioneiramente estudada por Daniel Kahneman e Barbara Fredrickson e apresentada no livro Rápido e Devagar, onde ficou famosa. Entre outros exemplos, um que me chamou atenção foi a situação da mão gelada.
O experimento funcionou mais ou menos assim: na primeira situação, era pedido aos participantes que colocassem a mão em água gelada, mas tolerável, por 60 segundos. Ao final do experimento era oferecida uma toalha com água quente ao participante.
Na segunda situação, o período do teste era de 90 segundos, sendo os primeiros 60 segundos idênticos ao primeiro teste, mas nos 30 segundos finais os pesquisadores subiam a temperatura da água em aproximadamente um grau, o suficiente para reduzir um pouco a dor.
Depois de terem passado pelos dois testes, onde a ordem dos dois variou aleatoriamente para os participantes, foi dada a escolha de no terceiro teste, eles poderem escolher a situação 1 ou 2.
Incrivelmente, 80% dos participantes escolheram a situação dois, escolhendo deliberadamente sofrer por mais 30 segundos.
A essência da regra é que os momentos de intensidade emocional, sejam eles positivos ou negativos (os chamados “picos”), e o final de uma experiência, têm um impacto significativo em como lembramos e avaliamos essa experiência. Isso, por sua vez, influencia nossas decisões futuras, como a escolha de repetir ou evitar um processo, ou uma interação específica.
Nesse caso, as pessoas lembravam da segunda situação com menos trauma que a primeira, pois a mudança do pico para o fim foi gradual, proporcionando uma experiência menos agressiva.
Por exemplo, quando lemos um artigo online, apreciamos encontrar links para conteúdo relacionado que expande nosso conhecimento. Esses momentos representam os picos positivos da experiência. No entanto, se encontrarmos um pop-up intrusivo que solicita nosso endereço de e-mail no final da leitura, isso pode deixar uma impressão negativa e prejudicar nossa lembrança da experiência na totalidade.
Talvez criar uma transição, oferecendo outros materiais complementares e só então pedir o e-mail do usuário pode criar uma transição mais suave e melhorar a experiência.
Regra do Pico e Término aos Arcos Narrativos
Juntar a regra do Pico e Término aos arcos narrativos pode ser uma estratégia poderosa para melhorar o storytelling no design de experiências. Aqui estão algumas maneiras de integrar esses conceitos:
Identificar os picos emocionais na narrativa:
Ao criar um arco narrativo para uma experiência, identifique os momentos em que picos emocionais podem ser incorporados. Estes são os pontos em que você deseja que os usuários sintam emoções intensas, seja alegria, surpresa, empatia ou outra emoção relevante para o produto.
Construir a jornada com base em emoções:
Projete a jornada do usuário de modo que ela evolua emocionalmente ao longo do tempo. Comece com uma introdução que desperte curiosidade ou interesse (o início do arco). Em seguida, desenvolva a história, criando momentos de conflito, desafios e conquistas (o meio do arco). Finalmente, reserve um momento de clímax emocional ou revelação (o pico) antes de concluir a experiência de forma satisfatória (o término).
Crie momentos de pico estrategicamente:
Os momentos de pico podem ser usados para reforçar os pontos-chave da narrativa. Por exemplo, se a história envolve superação, o pico emocional pode representar a vitória do personagem. Se a história é sobre empatia, o pico pode ser um momento de conexão emocional entre o usuário e o personagem.
Final satisfatório e memorável:
Como a regra do Pico e Término sugere, o final da experiência é crucial. Certifique-se de que o término seja satisfatório e deixe uma impressão positiva. Isso pode ser alcançado por meio de um desfecho que reforça a mensagem da história de forma emocionalmente impactante.
Interação e aprendizado contínuo:
Assim como nos arcos narrativos, o design de experiência é um processo iterativo e incremental. Colete feedback dos usuários para entender como os picos emocionais e o término são percebidos. Ajuste a narrativa e a experiência com base nesse feedback.
Consistência e coerência:
Mantenha a consistência emocional ao longo da história e certifique-se de que o pico e o término estejam alinhados com a mensagem geral que você deseja transmitir.
Crie experiências memoráveis
Em essência, juntar a regra do Pico e Término aos arcos narrativos é uma estratégia poderosa para melhorar o storytelling no design de experiências digitais. Isso nos permite criar experiências mais envolventes e memoráveis.
Identificamos picos emocionais, construímos jornadas baseadas em emoções, criamos momentos de pico estrategicamente e garantimos um final satisfatório e memorável. Através desse processo iterativo e incremental, mantemos a consistência e coerência, deixando uma impressão duradoura nos usuários.
Portanto, mergulhe de cabeça, crie experiências memoráveis e continue explorando as maravilhas do design e do storytelling, pois a jornada está apenas começando. As melhores histórias muitas vezes têm início em lugares inesperados.